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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Hoje eu morri...


Dou passos arrastados a caminho de casa
Peguei meu carro e segui dirigindo sem pressa...
Vários pensamentos perambulam pela minha mente
O horizonte respira melancolia
Um carro velho parou do meu lado no sinal
Percebi que se tratava de uma família feliz
Lembrei que duas noites atrás havia sonhado com a Julia
Julia é o nome da minha filha que nunca terei
Em meu sonho ela era linda, (apesar de não ter visto seu rostinho)
Ah! Mas eu sabia que era linda de cabelos negros cacheados
Brincava com seu velotrol cor de rosa
Uma grande tristeza tomou conta de mim
....Eu nunca serei pai
As minhas horas estão contadas

Lembrei dos meus amigos da faculdade
Do Evandre, amigão do peito
Eu nunca disse a ele que gostava dele
E tantos outros que passaram pela minha vida

No último final de semana visitei meus pais
Não me lembro se falei para eles o quanto eu os amo
Chego em casa para minha última noite
Sei que encontrarei minha linda esposa a me esperar
Puxa como ela é linda e como eu a amo
Digo isto a ela todos o dias

Estou entrando em casa
A chave na fechadura e um nó na garganta
Minhas mãos estão molhadas de suor
Dou um beijo na minha princesa e digo bem pausadamente
O quanto eu a amo e quanto ela é importante para a minha vida

Vida....

Sou aquele que sempre procurou dar a outra face
Fui algumas vezes agredido
E em outras ocasiões tudo perdoei
Educado para dar, sem nada esperar
Nunca neguei um apoio gentil
Jamais regateei uma palavra doce.

Acordo ao som dos sinos da igreja, chamando o povo para missa
Estranhamente estou com um sabor de fel na boca
Ainda deitado faço uma reflexão da minha própria vida
Olho para inúmeras cicatrizes por sarar
Não sei se há mais tempo para concertar algumas coisas
Fico pensando se hoje vai ser daqueles dias
Que passam voando Ou que demoram a passar
Cada instante é precioso
Cada som, sensação, cheiro, tem um significado diferente


Porém, hoje eu morri
Fui vitima de uma dilatação permanente de um segmento vascular. (aneurisma)
A visão do mundo turvou-se
Os sons destilaram-se em silêncio
O sangue esvaiu-se lentamente
Parti sem prantos ou lágrimas
Quando me quis, já não me encontrei.

Escrito em 23/06/2004 na aula de capelania hospitalar na Faculdade Presbiteriana FATESUL.

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